A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido favorável à desjudicialização da execução. A tendência, uma vez seguindo-se esse entendimento, é que os principais argumentos expostos em referidas ações sejam refutados.
No final de outubro de 2023, foi sancionada a lei 14.711/231, que estabelece o “Marco Legal das Garantias”. Esta lei visa a simplificação do acesso ao crédito, ao passo em que promove avanços nos procedimentos de execução extrajudicial. Além disso, uma das razões que contribuíram para a popularização de seu nome foi a simplificação do processo de criação de garantias para os negócios jurídicos.
Significativas inovações foram implementadas em várias leis, incluindo o Código Civil, que passou a prever a regulamentação do “agente de garantia” em seu art. 853-A, que foi adicionado pela lei 14.711/23. Embora utilizada no mercado antes da promulgação da lei, a função dos administradores de garantias era regulada por meio de cláusulas contratuais específicas, as quais não delimitavam precisamente suas funções. Atualmente, a figura do agente de garantia é expressamente estipulada em lei2, fomentando a estabilidade na interpretação e na aplicação das disposições normativas.
Agindo em nome próprio e em benefício dos credores, sob um contrato de administração fiduciária de garantias, o agente de garantia assume a responsabilidade pela gestão e coordenação da resolução do contrato, bem como pelo registro de ônus e garantias, além da administração e execução de bens, dentre outras atribuições pertinentes.3
O agente pode ser substituído a qualquer momento, seja pelo credor único ou pelos titulares que representem a maioria simples do crédito garantido4. Acrescenta-se que, pelo prazo de 180 dias contados a partir do recebimento, o montante recebido não estará sujeito a quaisquer obrigações do agente de garantia, o que proporciona maior segurança às partes contratantes e reduz a probabilidade de que um eventual risco de crédito atribuível ao agente de garantia afete a operação5.
Outra alteração promovida pela lei, com repercussões no mercado imobiliário, consiste na permissão para que um bem imóvel possa ser utilizado como garantia para múltiplas operações de crédito junto ao mesmo credor da alienação fiduciária inicial, desde que observado o limite da sobra de garantia da operação inicial.
A exemplo, se o montante garantido pelo imóvel no primeiro contrato atingir até R$ 200 mil, e a quantia original da dívida corresponder a R$ 50 mil, o devedor tem a prerrogativa de celebrar novo contrato com o mesmo credor, até o limite de R$ 150 mil, valendo-se do referido imóvel como garantia fiduciária. A nova lei muito se assemelha com o instituto da hipoteca. Entretanto, para além das diferenças conceituais6, apresenta vantagens específicas à cessão fiduciária, como a simplificação da consolidação da propriedade fiduciária pelo credor, em casos de inadimplemento do devedor, propiciando, por conseguinte, a execução extrajudicial da obrigação.
Abrangendo não somente o âmbito privado, o Marco também promoveu modificações na lei 6.766/19797, elucidando aspectos pertinentes à utilização de imóveis como garantia às instituições públicas. Estabeleceu-se que o mesmo imóvel pode servir como garantia durante a execução de obras de infraestrutura, bem como para créditos constituídos em favor dos credores em operações de financiamento destinadas à produção de lote urbanizado.
Contudo, em virtude das significativas mudanças que afetam a condução das execuções judiciais e extrajudiciais, duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn) foram ajuizadas face às inovações da lei. Uma pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)8, contestando a constitucionalidade dos arts. 8-B, 8-C, 8-D e 8-E do decreto-lei 911/699 e dos arts. 6º, 9º e 10º da lei 14.711/23. Outra pela Associação Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (FENASSOJAF) em conjunto com a Associação Federal dos Oficiais de Justiça do Brasil (AFOJEBRA)10, em face dos arts. 8°-B, § 7°, 8°-C, §§1° a 9°, parte do 8°-D e partes do caput e parágrafo único do artigo 8°-E do decreto-lei 911/69, bem como o art. 6° e o inc. II do §9°, § 12 e § 15 do art. 9° da lei 14.711/23.
Em suma, a Associação dos Magistrados contesta a constitucionalidade do decreto-lei ao criar a consolidação da propriedade, a busca e apreensão extrajudicial da coisa móvel objeto de alienação fiduciária, precedida inclusive de monitoramento privado do devedor. Destaca que a perda da posse de bem móvel, segundo a Constituição, exige a prévia autorização judicial, e que o procedimento introduzido pela lei viola o princípio da reserva de jurisdição e ofende a garantia da inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Além disso, destaca que a implementação da execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca e da garantia imobiliária em concorrência de credores é inconstitucional por representar a desapropriação de patrimônio sem a observância do devido processo legal e sem respeito ao princípio da reserva da jurisdição.
Quanto a ação movida pelas Associações dos Oficiais de Justiça, defendem a inconstitucionalidade dos dispositivos mencionados supra, uma vez que estes permitem a execução extrajudicial das garantias fiduciárias e hipotecárias, inclusive com o uso da força, monitoramento e diligências sobre devedores, busca e apreensão de bens e desocupação de imóveis, em uma espécie de “justiça privada que afasta o Poder Judiciário das situações mais sensíveis ao cumprimento das decisões judiciais”, conforme próprias palavras.
A jurisprudência do STF tem sido favorável à desjudicialização da execução.11 A tendência, uma vez seguindo-se esse entendimento, é que os principais argumentos expostos em referidas ações sejam refutados.
Fonte: Migalhas